quinta-feira, 28 de julho de 2022

Avaliando Amnesia the Dark Descent (PC)

 


Eu me considero uma pessoa bem acostumado com o gênero de terror.


Tendo assistido e lido sobre várias obras focadas na área, eu acabo não ficando surpreso com muitas das obras que experimento.


Franquias como Dead Space que muitos colocam na lista de "mais assustadores" não conseguem tirar sensações como ansiedade, temor, imersão de mim a tal ponto de eu conseguir sentir alguma apreensão enquanto jogo. Não desmerecendo os jogos em si que são bons, mas não são exatamente o que eu chamaria de assustadores.


Eis que acabo um dia em contato com Amnesia The Dark Descent, um jogo de terror que foi bem popular a 10 anos, e de certa forma foi um dos jogos de terror mais influente no gênero, sendo a base pra quase todo jogo de mesmo gênero que saiu nos anos 2010 e esse inicio dos anos 2020.


Isso não me atraiu tanto quanto vocês possam acreditar, a princípio. Porque... eu honestamente não curto tanto o que os jogos de terror se tornaram. Não me incomodo com o foco na primeira pessoa, embora não ache que ele seja um requisito obrigatório para gerar "medo" como alguns defendem. Mas eu com certeza odeio a necessidade em serem mega grotescos e meterem jump-scares em todo canto, além de reduzirem todas as suas funções a geralmente coletar algo, andar e se esconder em algum canto.


Sério, parece que todos eles são a mesma bosta apelativa, e essa ideia me fez ter um preconceito contra o jogo. Eis que um dia eu olho um artigo de um blog que eu curto, Nocturnal Rambler, que é um blogueiro/youtuber (ultimamente mais youtuber) que tem opiniões que eu respeito sendo bem positivo sobre a qualidade do jogo.


Isso me fez pensar que talvez, mas talvez, Amnesia seja um jogo bom, que teve a infelicidade de ter um bando de gente tentando copiar sua fórmula sem entender o que o tornou ótimo e memorável pra inicio de conversa.


Obs: Vai ter spoiler!


QUANDO UMA EXPLORAÇÃO DA MUITO ERRADA



O jogo começa com uma curta narração de alguém chamado Daniel sendo perseguido por uma "sombra", e sobre concluir um objetivo. Não só isso, mas o Daniel também não parece conseguir lembrar muito bem dessas coisas.


Logo em seguida o protagonista acorda no meio de um corredor escuro e sozinho, e a jornada começa.


Após andar um pouco pelo castelo, você encontra um documento ao lado de uma lamparina dizendo mais sobre o que tá acontecendo. 


Parece que quem apagou a memória do Daniel foi ele próprio e tu é ele, e o tal objetivo tão importante era encontrar um tal de Alexander de Brennenburg e matá-lo! 


Nesse documento também é dito da sombra que o persegue é que ela seria um mal de uma outra dimensão que deve ser evitado ao máximo.


Devo dizer, esse jogo não demorou para mostrar o que raios tu deveria fazer e já colocar uma porrada de perguntas na tua cabeça como "por que raios eu deveria matar esse tal de Alexandre?" ou "por que Daniel apagou a própria memória?".


Isso já te empolga com a história, faz você logo no inicio querer buscar respostas, e sem sombra de dúvidas, aprovo isso.


Não espere que Amnesia irá explicar os eventos ocorridos através de longas cenas cinematográficas, tudo será explicado apenas lendo mais documentos ou pelos curtos flashbacks que Daniel terá no meio da jornada que não serão muito claro sobre os eventos. Sendo uma narrativa bem minimalista que vai exigir iniciativa do jogador.


Mais que isso seria um spoiler de minha parte, mas pra isso existe o aviso de spoiler lá em cima. Caso não queira, apenas pule pra próxima sessão, que é a próxima figura nesse artigo.


Daniel fez uma exploração a África, no meio dessa expedição ele encontra uma esfera de luz envolvendo bastantes mistérios.


Daniel volta a Europa numa tentativa de descobrir os segredos dessa esfera. Com o tempo, ele descobre que os outro membros da equipe de expedição que haviam ficado na África, desapareceram. Tudo isso através de cartas perturbadoras de seu companheiro Herbert que continuava na expedição.


Não apenas isso, mas todas as pessoas consultadas por Daniel desde seu retorno a Europa morreram de formas misteriosas, o fazendo se sentir culpado e desesperado. 


Nesse momento, um baron da Prússia, Alexander de Brennenburg  envia uma carta a Daniel o chamando para seu castelo. Alexander avisa a Daniel sobre um ritual que poderia ajudar a afastar essa sombra que protege a esfera. 


O ritual dá errado, e a sombra fica ainda mais próxima, fazendo Daniel implorar pela vida e aceitar qualquer coisa que Alexander peça para poder salvá-lo.


E começamos a ter uma ideia do porquê Daniel apagou sua própria memória nesse momento. Alexander sacrificou a vida de várias pessoas para adquirir um recurso chamado vitae de seus corpos, essencial para o ritual. Daniel auxiliou na realização da extração desse item.


O método envolvia várias das piores formas de tortura imaginável.


A princípio, Daniel apenas fazia por alto preservação, com o tempo, ele começou a pegar gosto pelo trabalho e até sentir prazer por isso. Com a quantidade insana de sacrifícios precisos para realizar o ritual, os soldados e prisioneiros no castelo já não bastavam, e Daniel e Alexander precisaram recorrer a cidadãos de um vilarejo próximo para continuar.


Quando uma jovem tentou escapar do castelo Brennenburg, Daniel teve que matá-la a sangue frio. Com essa medida, ele finalmente percebeu o quão cruel foram as suas ações. Com sentimento de culpa insuportável, Daniel jura matar Alexander e toma uma droga de esquecimento que era utilizada nos prisioneiros, para conseguir lidar com a dor.


Voltando ao presente, após atravessar o castelo, com as várias criaturas e infecção da "sombra". Daniel encontra um antigo amigo de Alexander, Agrippa, que era a fonte de informações sobre a esfera, explicando como o baron sabia tanto. A questão era que Agrippa é apenas uma consciência presa numa cabeça decomposta, colocada lá pelo próprio Alexander para não fugir.


Ele pede a Daniel para encontrar ingredientes, que vão auxiliar a parar o ritual. O jogador não é obrigado a encontrar esses ingredientes, mas perderá um dos possíveis finais alternativos do jogo, e sim Amnesia tem múltiplos finais.


São quatro ao todo. O primeira pode ser realizado antes mesmo de encontrar Alexander, com Daniel esperando a "sombra" consumí-lo dentro de uma cela.


O segundo tem resultado parecido com o anterior, com Daniel deixando Alexander realizar o ritual. E Daniel é novamente consumido pela "sombra".


No terceiro, Daniel derruba as pilastra importantes na realização do ritual, e Alexander é consumido, dando espaço para Daniel escapar sem qualquer punição.


O último é o que envolve realizar o pedido de Agrippa. Daniel pega a cabeça decomposta, a coloca no portal, evitando o uso pelo Alexander. Ele é novamente consumido, mas também Daniel. Mas ao invés de terminar com uma imagem escura e Daniel ouvindo os lamentos de suas vítimas, ele vê algumas luzes com a voz de Agrippa o assegurando que tudo ficaria bem. Dando margem para múltiplas interpretações, além de espaço para uma continuação.


É uma trama sombria, que mostra a crueldade humana, mostrando o quanto o nosso desejo de auto preservação pode levar as coisas mais perversas.


Geralmente esse tipo de mensagem me desagrada, porque é bastante normal tentarem explorar essa ideia de forma pretensioso, indo até o ponto de dizer "humano mal" várias vezes como se isso fosse profundo. Aqui não, ele dá seu tempo pra convencer que um estudioso como o Daniel, pelo medo de uma força que ele não entendia, poderia cometer tamanhas atrocidades.


O fato dos diálogos não parecerem sair de um fanfic edgy também ajuda. 


Pode não ser a trama mais revolucionária, é até bem genérica se for pensar bem, mas ela é executada muito bem.


REVIVENDO O PASSADO



Amnesia tem uma visual padrão de castelo no século 19, com uma estética e arquitetura gótica em todo canto, o jogo não é exatamente original nessa parte. Até tem um visual decente, principalmente pra um estúdio pequeno como a Frictional Games, mas os visuais são bem simples, mesmo para um jogo de 2010.


O castelo possui ambiente como masmorras, esgotos (sempre tem que ter um), e templos para realizar rituais malignos.


O jogo realmente se destaca na iluminação, e não podia ser o contrário, já que escurudão/luz envolve várias das mecânicas no jogo. 


Atmosfera em Amnesia é possivelmente a parte mais fundamental, até mais que a jogabilidade de um certo ponto de vista. Pra deixar claro o meu ponto, eu vou dar um exemplo de uma das experiências que tive enquanto jogava.


Em um dado momento do jogo, para progredir precisa entrar numa sala com três válvulas que precisam ser giradas. 


É um sala bem grande e chegando perto de uma caixa de água no caminho para as válvulas, até conseguia ouvir o que parecia uma pessoa murmurando dentro dessa caixa. Quando você gira uma das válvulas, todas as luzes levando a esse caminho se apagam, e eu comecei a acreditar que alguma coisa fosse surgir. Nada realmente aconteceu além das luzes apagarem, mas ainda faltava mais duas válvulas.


Comecei a ir em direção a segunda, acreditando que dessa vez algo ruim iria acontecer, então já me preparei mentalmente pra correr sem parar pra próxima alavanca, pra em seguida cair fora daquela sala o mais rápido que podia, algo viria e eu precisava estar preparado. Girei a segunda alavanca e corri até a terceira válvula, e novamente, nada.


Agora não restava mais dúvidas, depois de girar essa válvula, alguma coisa ia vir em minha direção, então deveria estar 100% preparado para o inevitável perigo. Girei a última válvula e corri que nem louco em direção a saída. Quando cheguei perto da porta, decidi olhar para trás e ver o que encontraria, e bem... não teve nada. 


Yeah... me senti um idiota por isso, mas também percebi que apenas a atmosfera que aquele ambiente transmitiu, já me fez ficar com a guarda levantada e imaginar o pior cenário possível.


E é por isso que o terror de Amnesia é tão bom, a atmosfera sempre vai te deixando numa situação desconfortável sentindo que algum mal vai chegar, mesmo que muitas vezes não aparece coisa alguma.


Sabe quanto tempo leva para o primeiro inimigo aparecer? Mais de 30 minutos, e mesmo antes disso eu já fiquei assustado várias vezes, ironicamente, porque eu não aguentava mais saber quando finalmente algo chegaria para tentar me matar. 


Os inimigos em si, nem são mais assustadores que os de vários inimigos em outros jogos de terror. Provavelmente Dead Space ou Resident Evil tem inimigos em geral muito mais aterrorizantes visualmente que os de Amnesia, mas como eu disse, o terror de Amnesia não tá na aparência, tá em como ele faz você ficar temendo o pior apenas com coisas simples como lâmpadas apagando ou portas abrindo sozinhas. 


Amnesia é um jogo com um terror bem psicológico, e você pode até encontrar entrevistas dos produtores da Frictional Games explicando sobre as ideias por trás da produção do jogo, principalmente como eles interpretaram a ideia de "causar medo".


CUIDADO COM A SANIDADE



Apessar de como já dito em Amnesia, que a atmosfera é a parte fundamental do jogo, a jogabilidade não fica muito atrás, diria até que o suporte para a atmosfera funcionar até o fim.


Uma das primeiras coisas a se destacar é que o jogo tem um sistema de inventário, algo que eu considero fundamental em qualquer jogo de terror.


Uma das ideias que eu considero mais assustadoras é a de não saber se tem no inventário recursos precisos para continuar a jornada. Porque quando se sobrevive a uma situação de perigo, precisa ter em mente que também é preciso sobrar para os próximos problemas. Então o jogador acaba entrando num conflito entre usar o item agora pra se salvar ou se arriscar agora para facilitar sua vida depois.


Eu não acho que todo jogo no universo precisa de um, alguns jogos são mais divertidos sendo simples, mas jogos de terror é uma área que eu defendo abertamente que todo título que se prece deveria ter um, ao menos todos que insiram "survival" em sua descrição.


Em Amnesia ele é usado para guardar os itens usados para solucionar os quebra cabeças, item de cura, óleo para a lamparina, e outro item para acender as velas que são todos limitados e adquiridos explorando os vários cantos do castelo.


Daniel tem dois status que você precisa se preocupar, o de vida que é representado por um coração, é o de sanidade, representando por um cérebro.


O de vida é autoexplicativo, então mencionaram o de sanidade. Ela é o responsável por evitar que a visão de Daniel fique tão trêmula quanto a de um bêbado, além do som ficar todo distorcido. Na dificuldade máxima, Daniel morre caso a sanidade chegue a zero, então cautela.


Você perde sanidade de várias formas no jogo, desde apenas ficar no escuro por muito tempo, que a razão principal de manter a lamparina acessa e iluminar algumas velas pelo castelo.


Ver os inimigos, o que faz tu perder bem mais sanidade, e aqui vêm uma das grandes sacadas de Amnesia, ficar num lugar iluminado faz os inimigos perceberem Daniel com mais facilidade, então em certas ocasiões será preciso ficar num canto escuro e apagar a lamparina, o que vai ferrar sua sanidade, então você fica numa encruzilhada entre se arriscar podendo perder vida e muita sanidade, ou jogar seguro e aceitar perder um pouco da sanidade. 


É mais uma das formas do jogo fazer tu tomar uma decisão complicada. Lembrando que regenerar sanidade não é tão simples quanto recuperar vida, Daniel só pode recuperar sanidade solucionando quebra-cabeças ou progredindo na história. Ficar na luz ajuda, mas bem pouco na recuperação de sanidade.


Outra forma de perder sanidade é cumprindo certos eventos obrigatórios na progressão do jogo, alguns até mandam a sanidade do Daniel pra quase zero. 


Eu entendo isso numa questão de narrativa, porque geralmente nesses eventos, Daniel vai lembrar de uma experiência bem traumática, por outro, acho um jeito desgraçado de prejudicar o jogador sem ele ter culpa.


Amnesia também tem físicas, que não são as melhores num jogo que eu já vi, mas são funcionais, e acima de tudo, tem função nesse jogo.


Desde as mais básicas como abrir portas ou gavetas, já que você não simplesmente aperta um botão e eles abrem e fecham, existe um certo controle sobre quanto pode abri-las. Não preciso dizer que no caso das portas isso existe pra averiguar se tem algum monstro do outro lado, antes de abrir por completo, né?


Até em coisas mais complexas, como os quebra-cabeças em sua grande maioria vão exigir o uso da física até certo ponto.


E por falar nos quebra-cabeças, são bem variadas até. Considerando os jogos que se inspiraram em Amnesia, se esperaria que se resumiriam a ficar esperando um monstro fazer sua rota e aproveitar para pegar a chave que abre a porta, mas não, vão de criar um veneno improvisado num laboratório até consertar um elevador, todos geralmente exigindo que tu pense ou/e ao menos use alguns dos documentos próximos para entender o que certas ações significam.


São várias, são boas, e quem aprecia quebra-cabeças vai gostar bastante.


Possivelmente meu grande problema com Amnesia são seus checkpoints. Esse jogo não deveria ter eles.


Muita tensão acaba quando se descobre que quanto tu morre, retorna pouco no tempo sem grandes consequências. Teve até um caso que eu precisava passar por um monstro com ele bloqueando a saída da sala, fui descoberto e morto, e o checkpoint me retornou fora da sala, com o item que eu precisava para progredir, então ele acabou me ajudando! Eu fui beneficiado por ter morrido!


Sabe como esse jogo seria muito mais tenso se o sistema de salvamento fosse o mesmo de um Resident Evil clássico, onde você salvar era limitado e apenas utilizando um determinado item escasso que você conseguia explorando? Amnesia precisava muito disso. Só tirar os checkpoints e meter um local específico pra salvar sem custo já seria um grande progresso, ou pelo menos checkpoints menos generosos.


TÃO BOM QUANTO O RESTO DO JOGO



A trilha sonora de Amnesia vai na linha do resto do jogo de tentar ser atmosférica.


Nesse caso, ela não é tão presente assim, te deixando muitos momentos apenas com os sons de portas e gavetas abrindo, e seus próprios pensamentos.


Quando ocasionalmente uma música aparece, é quando algo incomum acontece ou algo perigoso está perto, não tem como diferenciar esses dois na maioria dos casos, e podem apostar que vai te dar calafrios.


E mesmo assim, ainda tem uma das músicas mais clamas e relaxantes que já ouvi num jogo, justamente na sala mais segura, logo após um momento bem tenso. Eu acho quea melhor parte da trilha sonora desse jogo nem é a qualidade, embora seja bem alta, mas o quão bem elas encaixam com a situação e o ambiente que estão inseridas.


Os personagens falam nesse jogo, e a dublagem é bem boa, todos tem aquele sotaque de gente de alta classe do século 19, e ouvindo eles falarem você lembra o quão bom os diálogos são, pois tudo que eles falam parece a coisa mais sofisticada e graciosa comparada a tudo que ouvimos por aí.


CONCLUSÃO 


Bom pra caralho!


Vocês já sabiam que eu ia dizer isso pelo o que eu escrevi, possivelmente nunca fiz uma avaliação tão otimista num jogo quanto esse nesse blog também.


Atmosfera, trilha sonora, história, até na jogabilidade, Amnesia acerta bastante em todas essas áreas, não é a toa que inspirou uma década inteira de jogos de horror, mesmo que essas inspirações tenham qualidade duvidosa. E principalmente, Amnesia sabe fazer horror direito, sem barulho em todo canto e situações exageradas com trocentos inimigos.


Um dos melhores jogos de terror que já joguei com facilidade, fazia muito tempo que não jogava um tão bom. Se fosse pra colocar numa lista, estaria do lado de jogos como Silent Hill 2 ou o primeiro  Condemned, que são dois jogos que também recomendo bastante.


Não é perfeito, como eu disse, o sistema de checkpoint é um problema, mas com certeza não arruína tudo que o jogo faz de forma maravilhosa, que são vários.


Nota final: 9.1


Frictional Games deve ter orgulho desse jogo, e pelas outras obras da empresa como Soma e os antecessor de Amnesia, Penumbra, parece ser um estúdio que entende bem de horror, então também aconselharia olhar outros jogos da empresa.


Obrigado a todos por lerem mais um artigo, e tenham um boa semana.

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